Resenha: A Máquina de Contar Histórias - Maurício Gomyde

Na noite em que o escritor best-seller Vinícius Becker lançou A Máquina de Contar Histórias , o novo romance e livro mais aguardado do ano, sua esposa Viviana faleceu sozinha num quarto de hospital. Odiado em casa por tantas ausências para cuidar da carreira literária, ele vê o chão se abrir sob seus pés. Sem o grande amor da sua vida, sem o carinho das fi lhas, sem amigos... O lugar pelo qual ele tanto lutou revela-se aquele em que nunca desejou estar. Vinícius teve o mundo nas mãos, e agora, sozinho, precisa se reinventar para reconquistar o amor das filhas e seu espaço no coração da família V. Uma história emocionante, cheia de significados entrelaçados pela literatura, mostrando que o amor de um pai, por mais dura que seja a situação, nunca morre nem se perde.

Título do livro: A Máquina de Contar Histórias
Autor: Maurício Gomyde
Editora: Novo Conceito
Selo: Novas Páginas
Ano: 2014
Páginas: 192

Uma prova de que a essência das coisas está em sua simplicidade

Com suas histórias curtas e narrativa fluída, Gomyde consegue prender o leitor de tal forma que fica difícil soltar o livro antes de chegar na última página, e aqui não foi diferente. Por já ter sido fisgada pela escrita do autor uma vez em O Rosto que Precede o Sonho (resenha), não pude deixar de conferir seu novo lançamento, agora pelo selo Novas Páginas, do Grupo Editorial Novo Conceito. Agora, divido aqui minhas impressões e opiniões sobre esta emocionante busca de um pai por redenção e a redefinição do significado de família, e a luta para reconquistar o amor de suas filhas.

Enredo

Após o evento do lançamento de seu décimo livro, Vinícius Becker recebe uma notícia que balançará sua estrutura e mudará sua vida para sempre: sua esposa, Viviana, morreu naquela mesma noite, após mais de quatro anos enfrentando um câncer agressivo. Sua filha mais velha, Valentina, tentara lhe contatar diversas vezes em seu celular, mas o mesmo estava descarregado, esquecido em algum canto da mala. Ele, há quilômetros do hospital, em outro estado, sorrindo para câmeras e respondendo as mesmas velhas perguntas dos jornalistas.

Abalado pela culpa que o consome rapidamente, ele volta para casa imediatamente, sem saber como enfrentar sua dor e, principalmente, como lidar com as duas filhas, de cujas vidas ele nunca foi ativamente presente. Odiado pela mais velha, que é incapaz de perdoá-lo, ele precisa recolocar sua vida no lugar, aprender a lidar com a perda de seu amor e provar para as duas meninas que é capaz de ser um bom pai e que, acima de tudo, a família V tem salvação.

Sua maior dificuldade, porém, é descobrir como começar a retomar o controle da família. Mas, quando por acaso esbarra no notebook de Valentina, ele consegue algumas das peças que serão a base de sua jornada. O e-mail de uma confidente da filha, um livro escrito pela própria menina e um vídeo da falecida esposa em seus últimos dias no hospital – Isto é tudo que ele tem para dar seguimento a sua árdua batalha pelo amor das garotas.

Narrativa

Embora narrado em terceira pessoa, o foco sempre está nas ações do protagonista, Vinícius. Através dele conseguimos conhecer um pouco do passado dele com Viviana, e entrar na delicada situação pela qual a família está passando. Ficamos sabendo também um pouco sobre a juventude do agora autor mais comentado do país, e descobrimos junto com ele o quanto o pai acompanhou e sabe pouco sobre suas próprias filhas.

Dividido em três partes, com capítulos curtos, texto fluído e simples, mesmo ao retratar a dor, o autor consegue que a leitura ocorra facilmente, em um processo contínuo e prazeroso. Da mesma maneira, as descrições claras e precisas, mas que surgem de forma natural e moderadas, também garantem levar os leitores aos cenários de forma que muitas vezes conseguimos sentir que estamos assistindo a história ao invés de lendo-a.

Personagens

Sentimentos que convencem, reações lógicas e personagens críveis. Uma das coisas que mais admiro na escrita de Gomyde é a forma como a verdade transborda de suas palavras. Sempre me vejo perguntando quanto daquilo é ficção e quanto é realidade, tirada a partir de suas próprias experiências. Se o autor chega ao ponto de confundir o leitor de tal maneira, é porque se entrega totalmente ao seu texto, tendo o cuidado de deixá-lo verossímil.

Vinícius Becker é o típico autor com complexo de deus, e por isso mesmo seu baque de realidade é tão intenso. Em suas histórias, ele pode ser invencível, enquanto no mundo real se sente impotente. Provavelmente por isso, se enterrou em trabalho após a descoberta da doença da esposa: sem querer deixar que nada faltasse para a família, buscando cada vez mais a carreira de sucesso que sempre almejou, e capaz de mover montanhas da maneira como apenas as palavras nos permite. É fácil se identificar com este protagonista falho, mas que tem um amor intenso pela escrita. E embora às vezes você vá julgá-lo por seu egoísmo, suas motivações, linhas de pensamento e ação são completamente plausíveis.

Valentina Coltelli é o que se espera de uma adolescente de dezesseis anos. Um caos de sentimentos, a garota sente raiva do pai que esteve ausente nos momentos em que a mãe mais precisou, deixando ela e a irmã mais novas praticamente sozinhas para lidar com toda a dor. Apesar da resistência em deixá-lo ser parte de sua vida, a garota herdou diversos de seus traços e são eles a maior esperança do pai para fazer a tão esperada aproximação. Escritora nata, a garota tem uma reação de dualidade com a escrita, uma vez que esta é um reflexo de seu relacionamento com o próprio pai, e de seu medo de terminar como ele.

Vida é a filha mais nova de Vinícius e Viviana. Com apenas quatro anos, a garota ainda está na fase inocente de fadas e princesas, e não entende exatamente a morte da mãe ou o drama que envolve a família naquele momento. Seus comentários e visão infantil são responsáveis por algumas risadas que descontraem o ar de seriedade e clima de tensão em que estamos envolvidos. Porém, por ser tão pequena e ter sido criada com um pai ausente, esperaria que ela fosse relutar ou pelo menos chorar pela mãe algumas vezes, o que não acontece. Ainda assim, como Viviana esteve batalhando contra o câncer durante toda a vida da filha mais nova, talvez também não tenha estado tão próxima assim da menina, justificando a situação.

Temática

      Até o começo da parte dois, confesso que esperava algum romance romântico. Não necessariamente por desejá-lo, apenas porque é um rumo natural em praticamente todos os livros atuais. Surpreendi-me, de forma positiva, ao ver que estava errada.

      Gomyde decide retratar outros tipos de amores e relacionamentos, e é bem-sucedido na tarefa. A construção de uma família que acaba de perder um elo essencial, a peça-chave de sua estrutura, e a busca pela redefinição das verdades deles, foi uma escolha inteligente, mas que poderia ter pecado na execução. Felizmente, isso não acontece e o tema é abordado com a sensibilidade necessária para trazer lágrimas aos olhos do leitor.

      Também é genial fazer um livro que aborde os processos e a paixão pela escrita. Muitos leitores dividem do sonho de ser escritores e se identificarão com muitos dos sentimentos retratados a esse respeito. Além disso, aprendemos e relembramos valiosas lições, como o fato de não existir uma fórmula para a escrita perfeita, uma vez que deve ser algo que nasce dos sentimentos mais profundos; ou que, mesmo desejando ser reconhecido, não podemos trocar a ficção pela realidade, pois embora a sensação de criar o impossível a partir do zero seja maravilhosa, a vida real também nos traz reviravoltas e surpresas inesperadas, que nos encantarão justamente por não ser algo que está no nosso controle.

Edição

Não acho que a capa seja particularmente positiva para a história. Sim, traz os principais elementos, mas a construção confusa não me atrairia em uma livraria – passando a fazer sentido e podendo ser completamente apreciada apenas após a leitura.

Na parte interna, a edição é simples, porém, confortável. Mais uma vez chamo atenção para a numeração dos capítulos, que por vezes ficam na parte interna da folha, algo que desagrada esteticamente, por ficar parcialmente oculta pelo vinco do livro. Ainda assim, é apenas um detalhe, e não tira pontos do resultado geral.

Não notei nome(s) de revisor(es) nos dados técnicos, mas o texto final não apresenta grandes falhas. Tenha sido o autor ou revisor, está de parabéns, pois só encontrei uma pequena falha de digitação; um mero caractere, na verdade.

Citação

– [...] O prazer no ato de escrever, e ainda mais quando alguém dá o retorno de que sua história fez alguma diferença, é maior do que qualquer inconsciência proporcionada pelo consumo de alguma droga ilícita conhecida.
(pág. 126)

Avaliação

Um livro sobre o amor pela escrita e a importância da família, que fará o leitor refletir sobre os extremos e a importância de encontrar um equilíbrio. A mistura desses dois temas na teoria talvez possa até parecer mediano, mas repito e enfatizo que, na prática, superou as expectativas. Uma leitura marcante e deliciosa, com gosto de aprendizado e satisfação. Com certeza você terminará de ler querendo "se tornar amigo do autor", algo que, segundo o protagonista, é sinal da qualidade da história. Totalmente recomendado!